7 de novembro de 2006

Cara de "A"

Cara de “A”

As palavras que dizemos nunca fazem diferença: nós as dizemos e esquecemos. E muita vezes nem sequer pensamos antes de dizê-las, saem assim, a esmo. O rosto e sua “fala” nunca esquecemos.

Eu dizia, muito antes de escrever, por que não sabia fazê-lo, e hoje sabendo male-male, tenho a certeza de ainda não dizer tudo o que quero, nem dizer o que quero com toda clareza, ao menos quando escrevo. Quando falo é diferente. Quando falamos é diferente. Nosso rosto fala junto, nossos olhos gritam mais do que a voz às vezes.

Lembro do meu pai nestas ocasiões, ele me mandava calar a boca sem nenhuma palavra, me mandava calar a boca com a sobrancelha sisuda, unindo-se no meio da testa, com um olhar altivo e racional, que me dizia tantas coisas além de “fica em silêncio”, me dizia por vezes: tua voz já esta cansando, ou ainda, quanta bobagem sai junta desta boca tão pequena, não é possível que dissesse uma coisa desta. E eu lia o rosto do meu pai, ainda sem saber ler e escrever as letras. E sei que lia o rosto do meu pai e o entendia perfeitamente, muito mais do que se ele dissesse uma palavra, entendia muito além daquilo que ele gostaria de falar, e até preferia guardar segredo. Lia coisas ocultas no rosto dele, que nem ele imaginava sentir, muitas vezes. Aprendi a ler o rosto do meu pai muito antes de falar. Sei disto quando vejo os bebês querendo à mãe ou ao pai, em suas expressões de ternura, transmitindo-lhes segurança. Acho que a primeira coisa que acontece ao nascer o filho, é o olhar dos pais sobre ele, e no rosto a clara leitura de “eu te amo”.

A comunicação acontece mesmo sem que haja a comunicação propriamente dita. Aprendi no segundo grau o conceito de comunicação -que foi abolido do meu cérebro -tratei de esquecer aquela asneira logo me deparei com um significado muito mais afim-, e que achei vagando pela internet, um meio tão avançado de comunicação, com um conceito tão enfadonho da mesma: “A comunicação humana é um processo que envolve a troca de informações, e utiliza os sistemas simbólicos como suporte para este fim. Estão envolvidos neste processo uma infinidade de maneiras de se comunicar: duas pessoas tendo uma conversa face-a-face, ou através de gestos com as mãos, mensagens enviadas utilizando a rede global de telecomunicações, a fala, a escrita que permitem interagir com as outras pessoas e efetuar algum tipo de troca informacional...” –fonte: http://pt.wikipedia.org/wiki/Comunica%C3%A7%C3%A3o . Eu pergunto ao indivíduo que criou a comunicação como este conceito infeliz, onde diabos se encaixa a comunicação que eu descrevi acima?

Quando as pessoas não querem transmitir nenhum tipo de informação, e ainda assim o fazem? Onde ela se encaixa? Ela não é comunicação? Deve ser um tipo de “manifestação anômala de comunicação não determinada”.

E se vocês podessem ler o meu rosto neste momento –o qual voltei para o espelho agora-, poderiam ler uma cara de “frustração para com os determinantes da lingua portuguesa”, todos estes letrados que tentam explicar tudo e só determinam. Vocês veriam no meu rosto um par de sobrancelhas sisudas unidas na testa, com olhar altivo e racional. A leitura de vocês eu não conheço, é pessoal e secreta, mas a minha, quando olhei no espelho, certamente foi: saudade, inconscientemente, falando igual ao meu pai.

5 de outubro de 2006

O Triunfo das Vacas

O triunfo das vacas

A camada de ozônio é uma capa de gás que envolve o planeta, é produzido através da fotossíntese e torna-se um escudo poderoso contra os nocivos raios solares, filtrando-os em até oitenta por cento. Simplificando: a camada de ozônio funciona como um espelho que impede você de virar lenha quando está pegando uma corsinha no verão ou quando está lagarteando no inverno.

Por detrás do grande clichê da destruição da camada de ozônio, que pode ser comparado ao almejar da paz mundial, está a verdadeira preocupação de não tornar a Terra uma obra de Dante Alighieri. Esta preocupação genuína ocorre em função de alguns fatores que provocam a destruição do Sr. O3: emissão de gases poluentes derivados da queima do carbono, os clorofluorcarbonetos –CFCs, vide bula- que escapam do seu desodorante caríssimo pressurizado e das fabricas que constroem a sua geladeira que mantém a cerveja no ponto. E um outro fator bem engraçado: o flato das vacas também é um criminoso; esses bichinhos aparentemente inofensivos são um dos maiores agressores da camada de ozônio.

O ser humano sempre tenta resolver problemas: por exemplo, o protocolo de Kyoto. Desculpem, esqueci que o protocolo é quebrado pelo imperialismo americano. Bem vejamos um exemplo mais feliz: a substituição do gás CFC por outro gás não agressivo na fabricação das geladeiras.

Sou apenas um especulador e sei que este assunto é ultra polêmico. Mas acho que as vaquinhas e seus “puns” poderiam ser evitados bem facilmente, com uma ação em espaço micro, que começa por você. Posso explicar assim:

“As vacas existem em grande quantidade não para aparar o capim. Também não existem em grande quantidade por que são altamente férteis e seu ciclo de reprodução é curto. Elas não existem em grande quantidade por que os indianos, que as têm como animal sagrado as reproduz, em grande escala, para adorá-la em qualquer lugar. As vacas, para se reproduzir, já nem fazem mais sexo: a inseminação privou-as destes momentos de prazer. As vacas existem em grande quantidade por que os seres humanos consomem carne bovina como bebem -eu iria dizer água, mas que bobagem!- Coca-Cola. Nossos campos que poderiam servir para plantar e alimentar pessoas estão alimentando animais que consumimos torpemente, e que destroem a camada de ozônio com suas flatulências. Elas estão lá, e não devemos isso à graça divina ou ao Mahatma Ghandi, devemos isto à nossa cultura carnívora e primal. Alimentamos as vacas para depois nos alimentarmos delas. E nisto estabelecemos uma perigosa relação de poder: colocamo-nos acima do alimento que destrói a camada de ozônio, cujo fim nos destruirá. Podemos dizer que ao comer vacas estamos nos suicidando.”

A solução para este evento consumista, assassino e suicida é mudarmos nossos hábitos alimentares. Ou seja, ser vegetariano é contribuir com a possibilidade de pegar uma “cor de jambo” no verão. Isto tudo eu estou é empírico, mas eu estou apenas divagando. Afinal não sou cientista, nem muito menos defensor de uma dieta verdinha. Como meu churrasco nos fins de semana e nunca havia me passado na cabeça, enquanto degustava um filé mal passado, que o céu sobre estaria sendo inundado por raios solares agressivos, facilitado pelo “pum” da vaca que eu comia.

Quando chegar no fim de semana eu vou comer alface genéticamente modificada: sabor churrasco.

No fim das contas a o consumo de Coca-Cola é coerente, tomando este acido com bolinhas de gás carbônico nos resta mais água para lavar o carro no fim de semana. Mas isto é outro assunto: podemos discutir em outro episódio quando a o refrigerante deixar de levar água na composição. Uma vez escutei um amigo relatar uma frase peculiar que escutou durante a aula na faculdade de Geografia: quando o professor explanava sobre o consumo indevido de água e sua possível falta o aluno despontou “Não sei por que todos se preocupam tanto com a falta de água no planeta se nós já sabemos a fórmula dela, simples, H2O!”. Quanta verdade, e eu ainda penso nas vacas... Quanta hipocrisia!

6 de julho de 2006

Guerra Civil

Guerra Civil




-Mônica, me diga algo interessante.

- Não estou a fim de falar.

- Ok, tenho uma boa parede para admirar. Ainda bem que casei contigo, assim tenho mais tempo pra saber quantos buracos terei que preencher com argamassa na casa.

-Também te amo, Cláudio.

-Que revista é esta que estás lendo?

-Nem sei. Estava folhando. É sobre cães, diz a capa.

-Interessante.

-Por que não compras uma meia nova? A tua está furada no calcanhar.

-Ela é quente. Gosto dela. Foi minha mãe quem me deu.

-Sempre achei ela ridícula. Agora sei por quê.

-Você implica tanto comigo...

-Implico com a tua empatia.

-Empatia?

-Apatia, desculpe.

-Ah...

-Hum...

-Cláudio, me alcança o cigarro e o cinzeiro que estão do teu lado.

-Toma.

-O isqueiro também.

-Aqui está.

-Obrigado.

-O que houve com teus seios? Estão grandes...

-Eles ficam assim todo mês, há quinze anos. Misteriosamente eu mênstruo depois.

-A Alemanha foi desclassificada. Achei que ia ganhar a Copa.

-Hum.

-Tens que ver o meu barbeador novo.

-Compraste?

-Sim, ontem. Achei que estava precisando. Toda vez que faço a barba com aquela coisa que me deste, e que chamas de barbeador, me corto.

-Que bom que gostou do presente.

-Gostei do presente. Mas não é eficiente. Meu barbeador funciona em qualquer tomada da casa.

-Que bom. Agora posso depilar as pernas com privacidade enquanto estou no banheiro. Só tem uma tomada, isto significa: você ou eu no banheiro.

-É.

- A propósito, você tem que depilar as pernas, estás parecendo uma macaca velha.

- Não tenho vontade.

-Já pensou que eu não gosto de pêlos? Me sinto comendo um homem.

-Já pensou que dá trabalho depilar as pernas todo santo dia?

-Você não depila as pernas todos os dias. Aliás, fazem duas semanas que não depilas as pernas.

-Não tenho vontade.

-Mônica, o que houve com a pata do teu óculos? Sentastes em cima?

-Não. Quando te jogastes no sofá ontem de noite, sem ver o que tinha embaixo, meus óculos ficaram assim. Não quis falar nada. Depois ele desapareceu. Fui encontra-lo escondido no teu bidê.

-Mônica, te amo.

-Eu também Cláudio, me amo bastante.



Jaque Machado

29 de maio de 2006

O Caso do Açougueiro

A história terminou com um final feliz; ao menos para João.

Dois olhos encalacrados no rosto: sem dormir, talvez há semanas, apenas pensando. Não tinha coragem de mexer-se. Nem ao menos de piscar, ou terminar o que havia feito. Timidamente movia-se para alcançar as bolachas que havia em cima do balcão; isto quando lembrava da fome. Os dentes, descarrilados, eram esfarelados pelo maxilar inquieto. Noites a fio remoendo pensamentos. "Talvez fosse melhor levantar-me da cadeira" pensava em uma mera sensação de alívio, porém instantes depois, quase que automaticamente, esborrachava-se na cadeira como se alguém fosse surpreendê-lo. A cachaça já havia acabado, o cigarro também, porém a angústia de ser surpreendido, esta jamais passaria. Uma sombra surrupiando no canto destro do congelador parecia bambolear uma sinistra profecia, como se prenunciasse a chegada de alguém indesejável. A chegada de alguém, corrijo, pois qualquer um seria indesejado. Um silêncio inexorável comia as horas, que irrompiam uma após a outra, professando uma tensão cada vez maior.
"Há alguém lá fora, eu sei", pensava João. E apertava suas mãos firmemente na guarda da cadeira. Estalava os olhos, como se enxergasse mais coisas que seu ângulo de visão pudesse alcançar. E a cadeira rangia, deixando João mais ansioso, temendo ser descoberto. A manhã atravessava a tarde, a tarde assassinava a noite, e a madrugada, a madrugada, com toda sua escuridão devorava a mente de João como formigas famintas sobre um inseto morto. Morto. Morto.
"Ainda há alguém lá fora, eu posso sentir", e aquela sensação de espera corroia a mente do açougueiro. Ele não arriscava levantar para lavar as mãos sujas de sangue, ou para tirar o avental no mesmo estado. As moscas zuniam nas volta das orelhas de João, porém ele não arriscava se mexer e espantá-las. Podia ser descoberto através de ínfimos movimentos desferidos.
Escutou o gonzo da porta estremecer, e imediatamente gritou: "O açougue está fechado, a carne acabou, não há mais carne". Mas era Bulgato, seu gato de estimação. O animal parou sentado na frente de João, olhou-o com olhos de julgamento - e como era tenebroso e pungente o olhar do felino-, por muitos minutos, fixo. João primeiramente sentiu-se inquieto, mas logo o desconforto deu lugar a culpa, e os olhos do gato imóvel, jamais feririam alguém como feriram à João. E subiu-lhe uma ânsia, e o açougueiro retorcia-se na cadeira, aos prantos: "Não! Não! Não pode haver!", gritava desesperadamente o homem. E então o animal começou a engolfar algo, e por minutos assim passou, até colocar pra fora diante dos olhos de João, uma massa vermelha, disforme, gosmenta, e sem piedade fixou o olhar João novamente. Logo em seguida, saiu. E o vômito permaneceu ali na frente de João.
E logo ele percebeu que havia rompido o silêncio. Mas, a porta rangeu novamente, e entrou no açougue Welington, seu vizinho. "Escutei gritos João, você está bem?", e logo João meneou a cabeça, porém uma sensação torpe evadia dele e Welington se retirou "Acabei de chegar de viajem, soube há pouco que ela foi embora. Se precisar de algo, não se acanhe, me procure. Até mesmo se quiser conversar sobre o que aconteceu...".
O vizinho saiu, e João caminhou até o freezer. Levantou a porta e deixou o ar gélido correr pelo rosto endoidecido, desvairado, o olho parecia saltar do orbital, e uma áurea de mácula perambulava sob o olhar tenebroso de João, um pobre açougueiro de orgulho ferido: "Ah, meus olhos ardem, e tenho fome. O que posso comer além de bolachas mofadas? Que dor, uma dor tão imensa que corta!!!! (e solta uma gargalhada,como se falasse com o fundo do freezer, porém logo em seguida recobra a postura e olha firme para dentro do congelador ) Nada, nada de carne, não sobrou nada de carne para mim..." Porém catou um saco que havia ali dentro com algum volume,do tamanho de uma bola de futebol, e jogou na lixeira: "Agora, meu amor, o que me disseste está bem dito: o bairro todo te comeu, mas agora eu sei; e eles não".

18 de abril de 2006

O Reflexo Fôrma

O Reflexo Fôrma

Com sete anos de idade, ao entrar na escola, ganhei minha primeira fôrma:
vinha com manual de instruções e tampa.
Me encolhi e me espremi para caber dentro dela. Como era minha primeira fôrma ainda não estava acostumada com o desconforto que elas trazem: você fica tentando se ajeitar ali dentro até achar a posição mais relaxante, esforço em vão.
Quando já nem sentia mais a cabeça nem os pés, dormentes, aos quinze anos ganhei minha segunda fôrma: mais arrojada, com design moderno. Porém apenas mais uma forma na qual eu passei trabalho para entrar. Meus colegas naquela época também ganharam suas fôrmas, cujo tamanho não variava, apenas as cores e o modelo.
Quando entrei na faculdade, achando que ganharia mais uma fôrma disse-me um professor, que estranhamente tinha a forma de cubo: “Na universidade as fôrmas não eram necessárias.”.
Então segui assim meus estudos: quadrada, com a cabeça chata e os pés encolhidos.

Jaque Machado