22 de outubro de 2007

TacTac

Tac, Tac.


Tactac, tactac. Ainda distante.
Você sabe quando uma enfermeira é assassina apenas pelo sapato que usa. Aquela não era diferente.

Viver na selva exige muito, é duro. E aqui é a selva. Se você bobear é devorado e se não devorar morre de fome.

A primeira coisa que você pensa quando o olho abre (antes mesmo de achar que ele está aberto) é em fumar um cigarro. Fumaça gostosa, dançando no ar. Um bom detetive sempre fuma um cigarro.

Tactac, tactac. Se aproximando.
Daí você pensa em todas as coisas caóticas que não gostaria de pensar e todas as piores lembranças que poderiam surgir na sua mente em menos de um milésimos de segundos sem nem mesmo você ter tido um motivo para relembrar todas elas, mas pronto: BUM! Elas estão ali. O máximo que você pode fazer é apertar os olhos e fingir que não lembrou de nada. Encolha-se um pouco meio relutante e depois tudo passa. O mundo é cão mesmo.

Tactac, tactac. É no quarto ao lado.
Dá tempo de tentar querer correr pelo mundo pelado, toda aquela pressão e as pessoas andando de um lado para o outro por motivos que você desconhece mas todas elas estão vindo de um lugar e indo para outro sem ao menos cruzarem os olhares (olham reto, encilhadas). É isso aí meu velho! Este é ritmo das ruas! Esqueça relutar, você já faz parte de tudo isso!

Tactac, tactac. Agora é aqui.
Seu coração bate acelerado e é só disso que você vai lembrar. Está na hora de sumir.
O tempo acabou, a porta se abriu!

-Bom Dia, Seu Ílio! Engula, aqui a Ziprasidona. O diazepam. E o fenobarbital. A àgua. Pronto.


Jaque Ma chado

8 de outubro de 2007

O Punhal

O Punhal


Decidiu não mais deflorar aquela pele alva, moldada pelo frio do inverno; maculando-a assim de matizes rubro. No leito vagabundo, após desnudos, tomou-a, como nunca havia sentido, por fim encontrara a paz. Sentiu seu peito criar volume, como se houvesse novamente algo ali dentro. Pensou por um instante em saciar sua vontade por cravar-lhe, seco, o punhal nas carnes. Porém aquele rosto dócil e ao mesmo tempo lapidado pela mão de Eros, jamais! Não poderia! "Amar", pensava em amar... Deixar a morte e a dor de lado, olhar para um mundo de prazer e amor.

Ela, uma messalina de um beco qualquer, porém nova e cheia de esperteza, cheia de depravação. Seus olhos semicerrados não podiam esconder o prazer de corpo um corpo violado. Suas mãos deslizaram pelas costas de seu algoz procurando um lugar tenro onde pudesse engalfinhar-lhe as unhas; maior era o vício da carne pervertida escondida entre as feições angelicais. Ele a deflorava com vigor; rijo, e quanto mais a meretriz demonstrava seus caprichos sádicos, mais ele se entregava; esquecera por completo, a arma, o punhal entre as roupas do travesseiro. Uma pela branca onde repousava uma mácula e fome, um pedido de loucura e uma insana corrompida pelo desejo doentio. Mordia, ela, os lábios com força. Ao olhá-la ele era tomado por uma loucura profunda e a penetrava com força e violência. Mordia cada vez mais firmemente o lábio, onde a face alva transparecia a vermelhidão daquele contorno enlouquecedor, como uma tépida pintura de Goya, um riso sádico perdido na noite transviada. Quanto mais tenso o homem encontrava-se na vermelha rosa daquela mulher, mais ela apertava os dentes contra os lábios. Um filete rubro precipitou-se , a escorrer pelo queixo hirto, uma palpitação infame de prazer e demência. Ele colocou seu polegar dentro da boca da prostituta, procurando sua língua, que logo desferia insinuantes movimentos. Expondo os dentes, cravou-os no homem, que sentia um sorriso, digno de homens perdidos, acorrentado a uma mente insana.

Pois ela o jogou sobre a cama, e abriu suas carnes, doce láudano de Deuses atormentados, que guardava entre as coxas róseas, para que pudesse por fim sentir o toque morno dos lábios daquele homem. Foi neste instante que viu reluzir a lâmina do punhal revelado sobre o travesseiro.

O assassino não mais pensava em sê-lo. Queria desfrutar de noites e dias o corpo e os desejos corrompidos da meretriz. Cobrir-lhe de jóias, adornos, roupas, que só poucas mulheres do nível social dele poderiam possuir. Ele se sentia liberto daquela maldição, não pretendia nunca mais usar-se daquele punhal. Sentia-se livre vivendo novamente.

Pois ela fermentou seu vício na boca do Conde, e depois beberia o amargo furor do falo de um corpo consumido pela boçalidade.

Expiraram por fim o ar temeral de um gozo demorado. Uma luz ascendeu sobre o rosto do homem, que tornou para ela com olhos firmes, esboçando um desejo sem fim. A meretriz o tomou nos braços e o apertou contra os seios, tomou furtivamente o punhal do travesseiro e tocou-lhe no meio das costas. E assim outra vez. Mal tinha força para puxar a arma tão profundamente cravada, mas deitou-o sobre a cama e com o apoio do pé puxou. Virou-o de frente e o apunhalou no peito, um urro seco e abafado condenava uma lágrima a escorrer pelo rosto. E assim desferiu os golpes contra ele até ter a certeza de que estava morto. Trinta facadas, ao todo.Rubras nuances, por fim, adormeceram naquele leito profano, onde uma lívida imagem de Virgem Maria vertia também esquecidas lágrimas.

A meretriz levou consigo tantos pertences de valor quanto pôde. Uma tormenta alva e rósea de morte, depravação, prazer, traição e esquecimento.


Jaque Machado