8 de outubro de 2007

O Punhal

O Punhal


Decidiu não mais deflorar aquela pele alva, moldada pelo frio do inverno; maculando-a assim de matizes rubro. No leito vagabundo, após desnudos, tomou-a, como nunca havia sentido, por fim encontrara a paz. Sentiu seu peito criar volume, como se houvesse novamente algo ali dentro. Pensou por um instante em saciar sua vontade por cravar-lhe, seco, o punhal nas carnes. Porém aquele rosto dócil e ao mesmo tempo lapidado pela mão de Eros, jamais! Não poderia! "Amar", pensava em amar... Deixar a morte e a dor de lado, olhar para um mundo de prazer e amor.

Ela, uma messalina de um beco qualquer, porém nova e cheia de esperteza, cheia de depravação. Seus olhos semicerrados não podiam esconder o prazer de corpo um corpo violado. Suas mãos deslizaram pelas costas de seu algoz procurando um lugar tenro onde pudesse engalfinhar-lhe as unhas; maior era o vício da carne pervertida escondida entre as feições angelicais. Ele a deflorava com vigor; rijo, e quanto mais a meretriz demonstrava seus caprichos sádicos, mais ele se entregava; esquecera por completo, a arma, o punhal entre as roupas do travesseiro. Uma pela branca onde repousava uma mácula e fome, um pedido de loucura e uma insana corrompida pelo desejo doentio. Mordia, ela, os lábios com força. Ao olhá-la ele era tomado por uma loucura profunda e a penetrava com força e violência. Mordia cada vez mais firmemente o lábio, onde a face alva transparecia a vermelhidão daquele contorno enlouquecedor, como uma tépida pintura de Goya, um riso sádico perdido na noite transviada. Quanto mais tenso o homem encontrava-se na vermelha rosa daquela mulher, mais ela apertava os dentes contra os lábios. Um filete rubro precipitou-se , a escorrer pelo queixo hirto, uma palpitação infame de prazer e demência. Ele colocou seu polegar dentro da boca da prostituta, procurando sua língua, que logo desferia insinuantes movimentos. Expondo os dentes, cravou-os no homem, que sentia um sorriso, digno de homens perdidos, acorrentado a uma mente insana.

Pois ela o jogou sobre a cama, e abriu suas carnes, doce láudano de Deuses atormentados, que guardava entre as coxas róseas, para que pudesse por fim sentir o toque morno dos lábios daquele homem. Foi neste instante que viu reluzir a lâmina do punhal revelado sobre o travesseiro.

O assassino não mais pensava em sê-lo. Queria desfrutar de noites e dias o corpo e os desejos corrompidos da meretriz. Cobrir-lhe de jóias, adornos, roupas, que só poucas mulheres do nível social dele poderiam possuir. Ele se sentia liberto daquela maldição, não pretendia nunca mais usar-se daquele punhal. Sentia-se livre vivendo novamente.

Pois ela fermentou seu vício na boca do Conde, e depois beberia o amargo furor do falo de um corpo consumido pela boçalidade.

Expiraram por fim o ar temeral de um gozo demorado. Uma luz ascendeu sobre o rosto do homem, que tornou para ela com olhos firmes, esboçando um desejo sem fim. A meretriz o tomou nos braços e o apertou contra os seios, tomou furtivamente o punhal do travesseiro e tocou-lhe no meio das costas. E assim outra vez. Mal tinha força para puxar a arma tão profundamente cravada, mas deitou-o sobre a cama e com o apoio do pé puxou. Virou-o de frente e o apunhalou no peito, um urro seco e abafado condenava uma lágrima a escorrer pelo rosto. E assim desferiu os golpes contra ele até ter a certeza de que estava morto. Trinta facadas, ao todo.Rubras nuances, por fim, adormeceram naquele leito profano, onde uma lívida imagem de Virgem Maria vertia também esquecidas lágrimas.

A meretriz levou consigo tantos pertences de valor quanto pôde. Uma tormenta alva e rósea de morte, depravação, prazer, traição e esquecimento.


Jaque Machado

2 comentários:

Cassiani disse...

Gente, foi vc q escreveu ou copiou de algum livro? eu simplesmente achei muuuito legal. Bjks

Jaque Machado disse...

sim, fui eu que escrevi. Obrigada.